Hoje a noite está um tédio, tédio hidropônico é claro. Fui expulso de casa, meu cachorro morreu, o amor da minha vida foi embora, levando tudo: meu dinheiro, meus bens, meus prédios, apartamentos, R$ 56 milhões que havia ganhado na megasena; sem contar na saúde, no coração, o travesseiro de que tanto gostava, enfim, tudo. Lembro-me do dia, era uma noite de verão. Eu, inocente, cheguei em casa após mais uma jornada extenuante de trabalho (eu sei que a palavra extenuante não era bem o que você queria ler, é muito formal, eu sei; mas ela vai ficar aí, seu leitor chato). Ela, sentada no sofá da sala, com uma faca na mão, me avisava:
- Passa tudo, agora, para o meu nome, se não eu mato o gato.
- O gato não, por quê o gato?!!, eu perguntava, com o sentimento de quem perde um ente querido.
- O gato, sim, ela dizia, certa de estar tocando o meu ponto mais fraco
O gato realmente era importante para mim. Amava-o mais que todos, mais que ela inclusive. Lembro-me de que quando eu estava triste, abatido, não me importava de sair do quarto onde estava com minha esposa e ir dormir com o danado, o Charles. O Charles fazia carinho, me abraçava, deixava espaço para mim na caminha dele; eu dormia confortável. Ele até vinha durante a noite me trazer comida, leite, me cobria e ainda perguntava se estava tudo bem. O Charles era meu melhor amigo. Enjoado, é verdade, gostava da melhor comida, do melhor lugar nos sofás da casa, um entojo, mas era companheiro, nunca me tratava mal, nunca me entristecia. Charles!!!, eu gritava assim que chegava em casa, e ele vinha se enroscar pra ganhar carinho. Eu falava primeiro com ele, depois com ela.
Acho que ela foi se cansando disso, sabe, meu amigo, companheiro, sempre presente, leitor. Parece que os anos foram se passando e ela começou a perceber que o gato tinha mais atenção, era mais mimado, mais bem tratado. E eu, que pensei disfarçar da melhor maneira, como fazem os agente secretos em suas missões realizadas às penas por estradas abandonadas, ruas fétidas e podres pela presença de animais e gente mortos, não percebia que ela percebia tudo; eu não percebia que nenhum de nós percebia que o outro não percebia e que na verdade ninguém percebia nada (leitor, faço aqui o uso mais que justo do meu direito de escritor e da liberdade literária. Se você não entendeu o que eu disse ou não concorda com a maneira como coloquei as palavras, que se dane, quem manda no texto sou eu. Se não estiver satisfeito, faça uso da sua liberdade de leitor e tente imaginar o que eu quis dizer; e não enche).
Enfim, naquele fatídico dia eu deveria escolher entre o que mais gostava, Charles, e a minha fortuna, conseguida à duras penas com muito suor e trabalho. Ela, uma ladra, incompassiva, incompreensiva, pessoa sem coração, quase que uma ditadora, muito malvada mesmo, estava com Charles no colo, acariciando o meu gato, amaciando a carne do bichano, um pobre coitado, para o posterior abate.
Faço uma pausa para uma piada: Era uma vez um rapaz que se chamava estiquistiquistambonazarambobarabarabitihipopoetiganioraetigamoca. Certo dia estiquistiquistambonazarambobarabarabitihipopoetiganioraetigamoca foi tirar água do poço para sua mãe. Um tanto desengonçado, estiquistiquistambonazarambobarabarabitihipopoetiganioraetigamoca jogou o balde dentro da água e acabou caindo lá dentro. Sem saber nadar, estiquistiquistambonazarambobarabarabitihipopoetiganioraetigamoca começou a gritar por socorro desesperadamente. alguns amigos de estiquistiquistambonazarambobarabarabitihipopoetiganioraetigamoca que passavam por ali ouviram os gritos e logo correram para chamar sua mãe. Ela, no mesmo minuto, como um tiro, foi correndo tentar salvar estiquistiquistambonazarambobarabarabitihipopoetiganioraetigamoca, que já começava a agonizar no poço de água, que, além de fundo, era sujo e cheio de bichos (Eles moravam em uma região muito pobre, leitor, água lá era como ouro. Mas não fique com dó de estiquistiquistambonazarambobarabarabitihipopoetiganioraetigamoca, ele era uma pessoa como todas as outras, colocada neste mundo para lutar e para sobreviver, não pode ser tratado de maneira diferenciada. Na verdade, não tenha dó de ninguém, continue como está, o mundo não precisa da sua ajuda, as coisas estão tranquilas). A mãe de estiquistiquistambonazarambobarabarabitihipopoetiganioraetigamoca chegou no local dois minutos depois de ter saído de casa. Chegando lá, sem nem mesmo pensar, gritou: estiquistiquistambonazarambobarabarabitihipopoetiganioraetigamoca, segura a corda!!!!!!. Não adiantou o esforço, o rapaz morreu. E Não foi somente pelo afogamento. Na verdade, foi por causa do tamanho do nome. O tempo entre a mãe falar estiquistiquistambonazarambobarabarabitihipopoetiganioraetigamoca e jogar a corda foi suficiente para ele morrer (sem graça, não, leitor? Mais sem graça ainda é essa cara que você está fazendo!!!! já disse: não enche o saco.).
Acordo do sonho. Olho para o lado, minha esposa estava lá, dormindo ainda, bela como sempre. Charles, na caminha, roncava com um leão. Levanto-me devagar para não acordar nenhum dos dois; vou até a cozinha, pego uma faca de serra e dirijo-me de volta ao quarto. Empunho a faca, seguro Charles e com uma única tacada enfio a arma em seu peito, matando-o na hora. Parto em direção à minha esposa. Do mesmo modo que fiz com Charles, mato-a. Ela não sofreu, morreu na hora.
Pronto, a fortuna estaria protegida daquela maneira. Nem Charles nem a esposa dariam trabalho um dia caso decidissem se separar de mim. Agora só faltava achar um jeito de esconder o crime. É o que estou fazendo até agora.
quarta-feira, 29 de julho de 2009
quinta-feira, 23 de julho de 2009
Saco dolorido
Hoje como de costume fui ao supermercado. Procurava alguns produtos hidropônicos, coisa pouca: legumes, frutas e verduras. Estavam em falta na ocasião, então logo desisti. Como ainda tinha que comprar leite, fui direto às prateleiras específicas, achando o produto com facilidade. Chegando lá, deparei com um anúncio que dizia “promoção, leite a R$ 1,89” escrito em uma plaquinha colocada ao lado de algumas caixas avulsas. Na parte inferior da placa, com letras muito, muito, mas muito pequenas mesmo um aviso dizia: “máximo 1 caixa por cliente”. Sacooo!!!! Qual é a vantagem para um supermercado de vender uma caixa por cliente de um produto que está na promoção? Imagina quantas pessoas não precisam passar por ali para chegar ao fim do estoque, pensei.
Resolvi, então, falar com uma jovem que estava ali perto, olhando o mesmo leite que eu, atenta ao que estava fazendo. Jovem, sabem, uns 85 anos, a mais nova que encontrei em plena tarde de sexta-feira no supermercado Rio Vermelho de Anápolis. Uma velhinha que sobrava saúde: dois marcapassos, três cateterismos, oito pontes de safena, enfisema pulmonar, hemorróidas problemáticas, mas em plena forma, forma de cabo de vassoura.
Perguntei, então, em tom de desespero, um tanto hidroponizado até com aquela situação, qual seria a lógica daquilo tudo. Eu, inocente, puro, não experimentado pela vida, sem aquela malícia de um astuto, não sabia o que estava por vir. Após algumas insistências minhas em arrancar um comentário da velha, tomo um chute no saco e uma guardachuvada na cabeça seguida da exclamação: “presta, atenção, seu moleque F* da P*, não tá vendo que eles tão falando da caixa com doze pacotes de leite?”. Lição aprendida: Sempre que houver uma promoção, é bom que não haja uma velhinha por perto, pode ser perigoso.
Resolvi, então, falar com uma jovem que estava ali perto, olhando o mesmo leite que eu, atenta ao que estava fazendo. Jovem, sabem, uns 85 anos, a mais nova que encontrei em plena tarde de sexta-feira no supermercado Rio Vermelho de Anápolis. Uma velhinha que sobrava saúde: dois marcapassos, três cateterismos, oito pontes de safena, enfisema pulmonar, hemorróidas problemáticas, mas em plena forma, forma de cabo de vassoura.
Perguntei, então, em tom de desespero, um tanto hidroponizado até com aquela situação, qual seria a lógica daquilo tudo. Eu, inocente, puro, não experimentado pela vida, sem aquela malícia de um astuto, não sabia o que estava por vir. Após algumas insistências minhas em arrancar um comentário da velha, tomo um chute no saco e uma guardachuvada na cabeça seguida da exclamação: “presta, atenção, seu moleque F* da P*, não tá vendo que eles tão falando da caixa com doze pacotes de leite?”. Lição aprendida: Sempre que houver uma promoção, é bom que não haja uma velhinha por perto, pode ser perigoso.
domingo, 19 de julho de 2009
Casamento
Casamento. Sonhos, esperanças, amor, fantasias que se realizam, esperança de um novo amanhã. A expectativa de encher a casa de crianças preenche de alegria e esperança os pais, irmãos, tios e cunhados. Uma bosta pra falar a verdade. A começar na cerimônia: o pai do noivo é chato, mas tão chato, que ninguém aguenta mais as mesmas piadinhas de sempre, atrapalhando a diversão de todos no dia mais feliz da vida do filho; o irmão da noiva, então, um ser inexpressivo, que convidou uns poucos amigos com a autorização da irmã só pra dizer pra todo mundo da festa que é o mais legal do mundo.
As sogras, que maravilha, as sogras. Sempre impecáveis, perfumadas e com cara de felicidade. Uma projeção cúbica da falsidade que ronda a festa no dia da cerimônia, na verdade. Entre sorrisos e sorrisos, percebe-se logo a competição entre as duas, com olhares entrecruzados e rajadas de gargalhadas flamejantes. A roupa das duas segue geralmente o mesmo padrão, exacerbando o seu lado competitivo: um vestido três números abaixo do corpo que está por baixo só pra parecer que elas estão mais magras do que são. Isso acaba deixando-as com um ar de pinguim recém-nascido; uma sandália que espreme ao máximo os pés, formando bolhas de pele sobre as tranças do calçado. A verdade é, que de tão apertadas que estão, as sogras acabam tendo os movimentos limitados durante a cerimônia, ficando com medo de arrebentar um botão, um zíper ou ter uma veia estourada em pleno casamento dos filhos.
O padre é um amigo da família. Companheiro inseparável, atendeu os noivos quando estes ligaram no meio da madrugada arrependidos por terem quebrado o voto de castidade em uma noite de pecado. Também foi o responsável pelos batismos da maioria dos membros das duas famílias. É mentira na verdade. Tanto o noivo quanto a noiva conhecem o pároco faz só uns quinze dias, chamaram-no de emergência porque não conseguiram encontrar ninguém a tempo. O cara foi com um discurso pronto, de que conhece os noivos desde pequenos e blá blá blá, blá blá blá.
Mas uma figura chama realmente a atenção em um casamento: o noivo. Ele, que a partir de agora vai ser um marido dedicado, fiel, que ama sua esposa mesmo em meio a probreza, tristeza, mesmo que ela esteja a beira da morte. Sim, ele há de permanecer o cabeça da família, há de ser para sempre o companheiro inseparável, o momô, nenê, bebê, anjinho... ele, o inigualável... troxa.
As sogras, que maravilha, as sogras. Sempre impecáveis, perfumadas e com cara de felicidade. Uma projeção cúbica da falsidade que ronda a festa no dia da cerimônia, na verdade. Entre sorrisos e sorrisos, percebe-se logo a competição entre as duas, com olhares entrecruzados e rajadas de gargalhadas flamejantes. A roupa das duas segue geralmente o mesmo padrão, exacerbando o seu lado competitivo: um vestido três números abaixo do corpo que está por baixo só pra parecer que elas estão mais magras do que são. Isso acaba deixando-as com um ar de pinguim recém-nascido; uma sandália que espreme ao máximo os pés, formando bolhas de pele sobre as tranças do calçado. A verdade é, que de tão apertadas que estão, as sogras acabam tendo os movimentos limitados durante a cerimônia, ficando com medo de arrebentar um botão, um zíper ou ter uma veia estourada em pleno casamento dos filhos.
O padre é um amigo da família. Companheiro inseparável, atendeu os noivos quando estes ligaram no meio da madrugada arrependidos por terem quebrado o voto de castidade em uma noite de pecado. Também foi o responsável pelos batismos da maioria dos membros das duas famílias. É mentira na verdade. Tanto o noivo quanto a noiva conhecem o pároco faz só uns quinze dias, chamaram-no de emergência porque não conseguiram encontrar ninguém a tempo. O cara foi com um discurso pronto, de que conhece os noivos desde pequenos e blá blá blá, blá blá blá.
Mas uma figura chama realmente a atenção em um casamento: o noivo. Ele, que a partir de agora vai ser um marido dedicado, fiel, que ama sua esposa mesmo em meio a probreza, tristeza, mesmo que ela esteja a beira da morte. Sim, ele há de permanecer o cabeça da família, há de ser para sempre o companheiro inseparável, o momô, nenê, bebê, anjinho... ele, o inigualável... troxa.
segunda-feira, 13 de julho de 2009
domingo, 12 de julho de 2009
Maçãs hidropônicas combatem mau cheiro
A linhagem de maçãs hidropônicas ajuda a combater o mau cheiro deixado por cachorros quando fazem suas necessidades básicas. A constatação foi feita por seu Paulo, que mora na rua de minha casa. “A variedade maçãnnus hidropônicus, que cresce no alto do himalaia dos meses de agosto a dezembro normalmente, podem tranquilamente retirar o mau cheiro que fica espalhado pela casa quando os cachorros fazem suas necessidades fisiológicas”.
Ainda segundo seu Paulo, alguns pedaços de cascas de maçã espalhadas pela casinha do animal podem evitar que o odor se espalhe pelos cômodos da casa. Ele, que já experimentou o produto, confirma: “O cheiro da casa está maravilhoso. Antes, tínhamos vergonha dos vizinhos que vinham nos visitar, mas agora triplicamos o número de pessoas que vem aqui”.
Seu Paulo disse que vai fabricar a partir do próximo mês cascas de maçãs hidropônicas secas em um empreendimento que deve ser inaugurado já no dia 25 de agosto. O anticheirodecocô seco, segundo ele, concentra mais a substância que tira o mau cheiro, o anticheirus de merdus.
A novidade deixou todos da vizinhança esperançosos, uma vez que o cocô de cachorro fede muito e ninguém aguenta mais cheiro de bosta pela casa. Segundo informações da assessoria de imprensa do Bairro dos Cachorros, onde mora seu Paulo, desde 2005 os cachorros resolveram se rebelar contra os donos e passaram a cagar por todo o lado, na sala, no quarto, no banheiro, enfim, começaram a fazer uma geralzona.
Dona Celeste, dona do cachorro Cachorro, afirmou que “o pobre coitado é velho. Não consegue andar daqui pra ali. O maquinário já tá frouxo, se é que você entende, ele não consegue mais se segurar. Aí caga onde der”. Para ela, a possibilidade de se acabar com o mau cheiro por meio do uso de cascas de maçãs hidropônicas é a sua última esperança. Ela, que já tentou de tudo para fazer o odor mais que incômodo sair, quer transformar a casa em um repositório do produto. “Vou colocar pra todo lado, na sala, na cozinha, no banheiro. Minha casa vai se transformar em um jardim de maçãs hidropônicas; Também vou plantar umas árvores”, afirma.
Cláudia Pires foi além. Disse que, além de produzir a variedade hidropônica da maçã, vai fabricar rolhas com as cascas da fruta para enfiar no... do seu cachorro.
Ainda segundo seu Paulo, alguns pedaços de cascas de maçã espalhadas pela casinha do animal podem evitar que o odor se espalhe pelos cômodos da casa. Ele, que já experimentou o produto, confirma: “O cheiro da casa está maravilhoso. Antes, tínhamos vergonha dos vizinhos que vinham nos visitar, mas agora triplicamos o número de pessoas que vem aqui”.
Seu Paulo disse que vai fabricar a partir do próximo mês cascas de maçãs hidropônicas secas em um empreendimento que deve ser inaugurado já no dia 25 de agosto. O anticheirodecocô seco, segundo ele, concentra mais a substância que tira o mau cheiro, o anticheirus de merdus.
A novidade deixou todos da vizinhança esperançosos, uma vez que o cocô de cachorro fede muito e ninguém aguenta mais cheiro de bosta pela casa. Segundo informações da assessoria de imprensa do Bairro dos Cachorros, onde mora seu Paulo, desde 2005 os cachorros resolveram se rebelar contra os donos e passaram a cagar por todo o lado, na sala, no quarto, no banheiro, enfim, começaram a fazer uma geralzona.
Dona Celeste, dona do cachorro Cachorro, afirmou que “o pobre coitado é velho. Não consegue andar daqui pra ali. O maquinário já tá frouxo, se é que você entende, ele não consegue mais se segurar. Aí caga onde der”. Para ela, a possibilidade de se acabar com o mau cheiro por meio do uso de cascas de maçãs hidropônicas é a sua última esperança. Ela, que já tentou de tudo para fazer o odor mais que incômodo sair, quer transformar a casa em um repositório do produto. “Vou colocar pra todo lado, na sala, na cozinha, no banheiro. Minha casa vai se transformar em um jardim de maçãs hidropônicas; Também vou plantar umas árvores”, afirma.
Cláudia Pires foi além. Disse que, além de produzir a variedade hidropônica da maçã, vai fabricar rolhas com as cascas da fruta para enfiar no... do seu cachorro.
quinta-feira, 9 de julho de 2009
Variedades hidropônicas
Elas estão em todo lugar. as hortaliças hidropônicas preenchem um espaço cada vez maior nas prateleiras dos supermercados, com seu aroma suaves e suas cores atraentes. Repolho, couve, chuchu, batata, cebolinha e até mandioca fazem parte desse grupo.
Com base nisso, se você acha que o hidroponismo deveria se tornar matéria obrigatória no ensino médio, mande sua opinião para lipe_homsi@hotmail.com , repetindo, lipe_homsi@hotmail.com.
Com base nisso, se você acha que o hidroponismo deveria se tornar matéria obrigatória no ensino médio, mande sua opinião para lipe_homsi@hotmail.com , repetindo, lipe_homsi@hotmail.com.
sábado, 4 de julho de 2009
Viva a luta por emprego
Início de profissão é uma batalha. Currículo, empresas, entrevistas, currículo, empresas, entrevistas. Mas cuidado, o vizinho não pode saber, se não pega a vaga antes de você.
E mesmo se conseguir chegar antes de alguém, a guerra está só começando. Lembro-me de uma vez que precisava entregar meu currículo em uma empresa. Logo que entrei as pessoas que trabalhavam lá correram para pegar os meus papéis e impedir que eu entrasse na sala do chefe. "Inimigo, inimigo"!!!!!!
Peguei o primeiro que apareceu na minha frente, dei-lhe uma chave de braço, quebrei o pescoço e bati sua cabeça na parede até a quase morte.
Fiz o mesmo com todos que vieram me impedir. "A vaga é minha, seus cretinos", eu gritava correndo triunfalmente para o meu destino.
Espanco o último do bando. 150 kg de puro músculo, mas imobilizei-o com um chute nas bolas. Chego na sala do chefe. EXPEDIENTE ENCERRADO, VOLTE AMANHÃ.
E mesmo se conseguir chegar antes de alguém, a guerra está só começando. Lembro-me de uma vez que precisava entregar meu currículo em uma empresa. Logo que entrei as pessoas que trabalhavam lá correram para pegar os meus papéis e impedir que eu entrasse na sala do chefe. "Inimigo, inimigo"!!!!!!
Peguei o primeiro que apareceu na minha frente, dei-lhe uma chave de braço, quebrei o pescoço e bati sua cabeça na parede até a quase morte.
Fiz o mesmo com todos que vieram me impedir. "A vaga é minha, seus cretinos", eu gritava correndo triunfalmente para o meu destino.
Espanco o último do bando. 150 kg de puro músculo, mas imobilizei-o com um chute nas bolas. Chego na sala do chefe. EXPEDIENTE ENCERRADO, VOLTE AMANHÃ.
Remetente, recebe
Realmente, realizei realizações reais
Revelando revelações relevantes
Revelei rotinas retrógradas
Repensei ritos ritualizados
Repentinamente repensei resoluções
Rotineiramente realizei romances
Rapunzéis
Recriações
Rodei rodas
Recolhi rochas
Realmente, realizei realizações reais
Reanimei reluzentes relances
Reconduzi rotas
Ressenti ressoar relógios
Rocei roças
Rapei Rapas
Renasci
Rápido, renascente, rápido
Renasce, retorna remessas
Remessas remoídas
Remessas retorcidas
Retorna-as
Remetente, recebe
Revelando revelações relevantes
Revelei rotinas retrógradas
Repensei ritos ritualizados
Repentinamente repensei resoluções
Rotineiramente realizei romances
Rapunzéis
Recriações
Rodei rodas
Recolhi rochas
Realmente, realizei realizações reais
Reanimei reluzentes relances
Reconduzi rotas
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Rapei Rapas
Renasci
Rápido, renascente, rápido
Renasce, retorna remessas
Remessas remoídas
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Retorna-as
Remetente, recebe
Jornalista Maria Amélia
A entrevista com dona Maria Amélia Lôbo havia sido marcada com certa antecedência, dez dias antes da data na qual foi realizada, aproximadamente. Sem fornecer um dia exato no qual iria falar, a senhora de 70 anos, ex-instrutora de trabalhos manuais no extinto Instituto Dom Bosco e hoje aposentada, aceitou com aparente facilidade conceder entrevista. “passa aí, no que a gente puder ajudar pra você fazer o seu trabalho a gente faz”, disse, expressando um ar tranquilo, o mesmo com o qual se apresentava todos os dias. Moramos na mesma rua, a Doutor Faustino.
Demorei uma semana para procurá-la novamente, talvez por receio de incomodá-la, ela que tem seus afazeres diários e cuida da mãe, Benedita Lobo Dias, de 88 anos, de saúde já debilitada pela idade. Era 24 de maio, domingo, quando bati à porta da casa que se encontra na Rua Doutor Faustino para ver se conseguia alguma coisa. Maria Amélia atende a porta, tranquila como sempre, a feição forte, de cor morena, os olhos fundos, de pálpebras protuberantes, cansada talvez.
Ela se aproxima sem falar nada, como de costume, sem dizer nem mesmo oi. Sempre espera uma reação, sem nunca iniciar uma conversa. “Tudo bem, Dona Maria Amélia?”, pergunto. “Tudo bem”, responde. Daí para a frente a conversa começa, com poucas palavra da parte dela, é certo, mas nada que atrapalhe o objetivo final. A conversa inicia-se mesmo é com a pergunta: “A que horas posso vir fazer a entrevista que a gente combinou?”, eu dizia, esperando uma resposta certa. Mas as palavras da aposentada nunca davam a certeza de que a entrevista aconteceria, ficava sempre uma incógnita e certa tensão no tempo da conversa. “Passa aí mais tarde, lá pelas seis horas, aproveita que vai ter outro amigo meu, ele pode ter mais informações pra ajudar na entrevista”, disse.
Um jornalista não poderia ouvir aquilo, uma resposta dessas não fazia parte das expectativas de um repórter que precisa atender às demanda de produção do local onde trabalha. Mas enfim, acertada a hora, fui embora, em dúvida, pensando na possibilidade de não conseguir o que queria.
Por conta de um imprevisto, não pude chegar no horário combinado. Eram já sete e meia da noite quando apareci por lá, já preocupado com a reação dela. Maria Amélia responde ao toque da campainha pela janela lateral, e fica parada pelos segundos mais tensos que já vivi como repórter, olhando somente, sem dizer uma palavra, um oi sequer, observando, unicamente. “Vim pedir desculpas, Dona Maria Amélia”. “Veio pedir desculpas?”, ela pergunta, sem expressar nada mais e se dirigindo à porta principal da casa. A explicação que dei sobre o atraso convenceu-a, aparentemente. “Fazemos a entrevista agora ou marcamos para depois?”, perguntei já tenso, como sempre. “Uai, você quem sabe”, ela responde. “Como é que a gente faz, eu passo aqui amanhã de manhã, ou...?”, insisto, ao que sou rebatido: “uai, é você quam tá precisando, você quem sabe”. Não sei bem ao certo dizer se aquela frase foi de repreensão pelo atraso ou se ela havia entendido que eu esperava que ela fosse à minha casa para ser entrevistada. Só sei que fiquei pensativo.
A entrevistada disse aquilo com a mesma tranquilidade de sempre, sem mostrar feição de braveza ou irritação. Era aí que uma parte da sua personalidade começava a se mostrar. Maria Amélia Lôbo apresentava os mesmos traços, a mesma feição quando sorria, quando ficava ansiosa, quando perguntava curiosa pelo motivo da entrevista. Ela tinha um olhar neutro, nem brava, nem calma, nem alegre nem triste, os aspectos da sua fala, o olhar, a maneira como gesticulava não apresentavam nenhuma característica particular. No meu caso, ela dificultava ainda mais o trabalho de reportagem que estava para ser feito. Seria preciso adivinhar como é Maria Amélia, pensei, um tanto quanto preocupado com aquilo. Como pode alguém expressar da mesma maneira quando está triste ou quando está alegre?, pensava, já cativado por seu jeito particular.
"Passo amanhã, lá pelas oito horas, está bom para a senhora?”, indago, já um tanto quanto desesperançoso. “É melhor lá pelas nove horas, né? Mas pode ser que eu esteja fazendo alguma coisa, tenha saído para o supermercado. Normalmente se eu saio vou ao supermercado”, ela fala, deixando mais uma incógnita: Será que ela vai estar lá amanhã às nove horas?. A noite passaria e aquela pergunta ficaria guardada até o outro dia, 25 de maio, segunda-feira.
Ela se despede e entra de volta para casa, ao passo que eu tomo o caminho de volta pela Rua Doutor Faustino. Aquela rua tinha uma certa particularidade, algo que me atraía como repórter e como morador, talvez por isso tenha escolhido uma pessoa daquela localidade para a entrevista. Minha lembranças da vida de criança passam por lá, todas as minhas boas memórias de infância estão guardadas naquele local considerado por mim sagrado. Foi lá que quebrei o braço andando de bicicleta, lá que jogava bola, lá que atentava os vizinhos, jogava coisas na casa dos outros, entre outros. Sou apaixonado por aquela rua, a rua Doutor Faustino, Bairro Jundiaí, CEP 75113-000. Mas no fundo a rua pouco tinha a ver com a escolha da entrevistada. Na verdade ela foi um pano de fundo, uma desculpa para chegar à casa daquela mulher que sempre me intrigou. Sempre que passava por lá, olhava aquela senhora, esperando uma oportunidade de um dia poder entrevistá-la, entrar em sua casa, conhecer um pouco mais desta senhora com hábitos tão tradicionais.
Ela é o tipo da pessoa que se debruça na janela de casa para ver os carros e as pessoas passarem. Acho que no fundo foi isso que me atraiu. Não era possivel que esse tipo de gente existisse ainda, era fora da realidade, algo inimaginável para o tipo de vida urbana com a qual estamos acostumados. Mas ela estava ali, sempre do mesmo jeito, pacata, sem extravagança, sem traço algum daquilo que conhecemos hoje por vida urbana. Ela carregava mais do que o jeito de uma pessoa que havia passado grande parte da sua vida no meio rural, era mais do que isso: Maria Amélia havia guardado os bons costumes, a política da boa vizinhaça, o hábito de olhar nos olhos quando fala, de dizer bom dia toda vez que vê um conhecido, parar para conversar, observar o tempo, chamar para comer um pão de queijo. Essas são algumas das características mantidas ainda hoje pela entrevistada, que insisto em chamar por esse nome por falta de vocabulário que me venha à mente no momento. Ela era mais do que uma entrevistada para mim, considerei-a uma amiga. Sempre que conversava ela apresentava em sua fala traços do que seria confirmado no dia da entrevista: que é uma pessoa amável.
Tudo o que foi dito até agora sobre Dona Maria Amélia esteve presente exclusivamente no âmbito da observação. Ela deve ser desse jeito mesmo, não é só impressão, eu pensava, sem nunca ter colocado os pés dentro da sua casa. Dormi mais cedo que de costume no domingo, 24, com o objetivo de acordar mais na segunda para a entrevista. Coloquei o despertador para 7h50. O que foi em vão, acabei me levantando somente às 8h20, às pressas para tomar banho e me arrumar para o encontro. Consegui me ajeitar a tempo, chegando dez minutos atrasado, somente. Saí de casa, caminhei meus cem metros e bati à porta de Maria Amélia.
Ela atendeu, desta vez a porta da frente, mas depois de dois ou três minutos, mais ou menos, tempo de sobra para que a tensão surgisse. Veio então, ao portão, com a mesma feição neutra e enraivecedora, até. Cumprimentâ-mo-nos, como de costume. Mas desta vez, ela não esperou reação alguma. Foi direta, sem nem mesmo esperar pela pergunta. “To dando café para a minha mãe. É que ela acorda às vezes mais tarde, então é bom deixar ela tomar café mais tranquila, né?”. “Não tem problema não”, digo, concordando com ela quanto a dar preferência para Dona Benedita, mas pensando ao fundo que aquilo poderia ser o fim das tentativas de entrevistar aquela senhora.
O sentimento agora era de desistência, de guerra perdida, não conseguiria mais cumprir o meu papel de repórter, tão facilmente cumprido nos trabalhos realizados no curso de jornalismo da Universidade Federal de Goiás mas que agora parecia um obstáculo intransponível. Era tudo tão fácil, tão bom de se fazer, lead, sublead, retranca, a fórmula estava pronta, era só colocar no papel. A sensibilidade nestes casos era deixado de lado. Mas com Maria Amélia era impossível recorrer aos modelos prontos dos livros. Ela era uma nova teoria a se descobrir, um novo modelo comunicacional. Até o momento desconhecia essa nova forma de se ouvir a fonte e de se escrever com critérios que não o da produção pura e simples. Eu aprendia a mergulhar no que fazia. Talvez foi isso que aprendi recentemente sobre uma nova vertente do jornalismo, o jornalismo literário. Para realizar esse tipo de escrita, é preciso passar por um momento de imersão, é preciso fazer parte da história. Enfim, prefiro não entrar nos detalhes, se não estaria criando uma nova fórmula. Não é esse o objetivo aqui.
O jeito aparentemente indiferente de Maria Amélia continuava, parecia que não se preocupava com aquele que estava do outro lado do portão, esperando ansiosamente. “Como a senhora prefere que a gente faz, eu volto daqui a pouco para a entrevista?”, questiono, insistindo mais uma vez. “Tá ficando difícil, né?”, ela responde, mais uma vez, sem dar mais pistas, mostrando uma espécie de compaixão pelo repórter. “Eu volto daqui a pouco”, digo, então, agora sem saber se era aquilo que Maria esperava de mim. Ela concorda.
Cada volta para casa era um suplício. Já não importava o que ia fazer no tempo da espera, se ia tomar café, comer uma torrada, um pão ou beber um copo de suco. O que estava em jogo naquele momento era o interminável e agonizante momento de esperança e descrença do repórter. O controle da situação, pela primeira vez, não estava nas minhas mãos. Meu destino de estudante estava nas mãos de Amélia. Exagero, é claro. O fato é que aquilo não se decidia, a situação se prolongava, sabe-se lá até quando. Da hora em que saí da casa dela, às 9h20, uma hora aproximadamente havia se passado, deu tempo de comer alguma coisa e preparar mais umas perguntas para a entrevistada. Já deu tempo de dar café para a mãe dela, penso e logo parto para a sua casa. Chego e me aproximo do portão de Dona Maria Amélia.
A entrada principal da casa, que possuía uma varanda e um quintal ao fundo com pé de cana-de-açucar, flores diversas, possuía duas portas. Uma delas, transparente, deixava aparecer o que se passava lá dentro quando a outra, de madeira, estava aberta. Maria estava sentada no sofá da sala, eu observava. A luz, acesa, parecia indicar que ela estava a espera de alguém. Suas mãos mexiam em algo, não deu para observar o que era. Parecia que a aposentada estava esperando mesmo para a entrevista e que a demora em atender ao repórter foi proposital, talvez por nunca ter dado entrevistas e não estar acostumada ou por medo. Pode ser que ela pensava que aquilo tudo era invasão de privacidade. Não sei ao certo. Fato é que subitamente a desistência se transformou em esperança.
Ela veio. Abriu a porta transparente. Dirigiu-se ao portão passando pelo alpendre. Sorrindo me cumprimentou novamente. Abriu o portão. Fiquei parado, sem ação. “Entra”, ela disse. Entrei, aliviado.
Passo pela porta que dá direto na sala. Um cômodo simples, típico, com televisão, estante, tapete, fotos da família, alguns artefatos que decoravam. Um relógio de parede. O seu barulho constante, tic-tac, continuaria por toda a entrevista. Ele tocaria uma vez em uma hora da qual não me lembro, só sei que falávamos do pai dela, falecido antes do seu nascimento. “minha mãe contava que ele era muito bom, que ele era construtor”, diria. A mãe, sentada no sofá, cochilando, não fazia movimento algum, ficava no sofá com a cabeça em um travesseiro colocado por dona Amélia. É ela quem faz tudo pela mãe, dá comida, banho, veste roupa, tudo, praticamente tudo. “muito assim, ciumenta, não gostava que a gente saísse, tinha que saber das amigas, né?”. “hoje em dia não se prende os filhos tanto assim como era antigamente”, fala de Dona Benedita.
O cachorro, cujo nome não sei, havia me recebido aos latidos no portão. Ele se aquietou dentro da sala. Foi só Dona Maria Amélia fazer menção de fazer cantar o chinelo, ele parou de latir. Medo talvez.
Essa foi a cena de entrada. Nós nos sentamos logo em que entramos. O cachorro se calou depois. Foi aí que começamos a entrevista. Liguei o gravador e comecei a fazer algumas perguntas sobre alguns dados como data de nascimento, cidade onde nasceu, quando se mudou para a rua, entre outros. Parei o que estava fazendo para escrever esses dados ao invés de gravar. Parecia mais fácil. Foi aí que Dona Amélia me interpelou com um ar que pareceu desconfiança: “Por quê é que você tá me pedindo essas coisas?”, disse, mantendo a feição neutra. “É que o que estou fazendo aqui é um perfil da senhora, com base no que a senhora viveu e nas experiências que teve aqui na rua. Quero saber, na visão da senhora, como a rua mudou e como a senhora enxerga as mudanças que ocorreram. Talvez na primeira vez que a gente conversou não ficou bem claro”, digo, já temeroso de que ela não mais aceitasse ser entrevistada. “Ah”, ela respondeu. “A gente pode continuar, não tem problema para a senhora não?”, questiono. “Não, pode continuar, tem problema não”, ela responde novamente.
A entrevista então começa. Ligo, agora sim, o gravador, que parece não incomodar dona Maria Amélia. “Posso usar o gravador?”, pergunto. “Uai, você quem sabe”, diz. “É que tem gente que não gosta”, prolongo o assunto, desnecessariamente.
Até esse momento eu me dava por satisfeito. Dona Maria Amélia já estava decomposta, revelada nos poucos momentos em que nos encontramos. Os encontros ocasionais, as frases soltas, os sinais, a falta de clareza já haviam me mostrado boa parte do que a senhora de 70 anos apresentava. O trabalho de repórter já poderia se dar por satisfeito, pois o objetivo era traçar um perfil de um personagem qualquer. Já havia tudo de que precisava.
Mas não era eu quem ditava as regras daquele jogo de espera, e sim minha entrevistada. Falo aqui “minha” como que me sentindo íntimo dela. Quem estabelecia e conduzia era Maria Amélia, com seu jeito simples. “Feliz eu sou, né, graças a deus não tenho nada do que reclamar não, né?”, ela disse, com um ar de sinceridade e ternura inigualáveis. E esse jeito me cativava, como repórter e como pessoa. Sentia-me uma pessoa melhor, um ser humano menos apressado, alguém que não é tomado pelas situações do dia a dia. Aquela entrevista estava me mudando um pouco. Não que uma pessoa totalmente nova se formava, não, mas algo da ordem da realização pessoal ocorria. Eu sonhei por aquele momento o tempo todo e de repente estava lá, em sua casa, sentado em seu sofá, ouvindo os seus relatos e com ela vendo o tempo passar.
Era a primeira vez que ela concedia entrevista, da qual eu lhe prometeria uma cópia. “Pra mim guardar”, disse. Em um determinado momento, conversávamos sobre a vida pessoal de dona Maria Amélia. Sem filhos, não foi casada. “nem namorado nunca tive”. “Até que pensando bem foi bom, né? (risadas), hoje eu cuido da minha mãe, hoje os filhos tá tudo abandonando os pais, né? E ficar sozinha é a mesma coisa, né?”. “fiquei sozinha, mesmo, graças a deus, desimpedida de tudo”, afirma.
Algumas perguntas depois, encerro a entrevista e me preparo para ir embora, mas Dona Maria Amélia não parecia querer parar. “Esse aí vai cair no quê?, numa prova?”, ela pergunta. “Vai ser uma prova, eu tenho que fazer o texto e mostrar pra professora”, digo.
"É aqui mesmo que você tá?”, continua. “Não, em Goiânia, eu estudo na federal, Federal de Goiás, eu faço jornalismo, mas isso aqui não vai ser publicado não, é só a professora que vai ter acesso a ele e vai ser só pra matéria, só pra gente cumprir uma...”, respondo. “pra ver como que você está assim no serviço?”. “É, pra ver se eu eu to sendo um bom repórter”, respondo. Nesse momento começamos a rir, não sei porque, talvez pelo sentimento de intimidade, resultado da boa relação de vizinhança que sempre tivemos.
"E você, tá ainda com a menina?”, ela pergunta, continuando o ciclo de perguntas. “To não. A senhora conheceu ela?”. “Não, você que falou que ela não era daqui, né, parece que é de Goiânia”, rebate. “Eu namorei uma menina de Goiânia e a gente ficou três anos e seis meses namorando e terminamos”, digo. “E agora tá...”, ela fala, esperando que eu completasse. “Não, agora eu to igual a senhora, querendo viver mais livre também” (risadas). “Tá esperando encontrar uma agora?”, ela finaliza. Respondo já desconversando, desviando do assunto. Disse que era melhor esperar terminar a faculdade, resolver minha vida primeiro, arrumar trabalho e depois procurar uma namorada. Conversa de solteiro.
Ela tomou as rédeas da conversa, sem que eu percebesse. A partir de um dado momento os papéis foram invertidos. Ela perguntava e eu respondia. Me senti até bem com aquilo. Na verdade, comecei a perceber que era possível fazer jornalismo sem ser só factual e que as informações não eram reportadas simplesmente pelas mãos do repórter, mas construídas por pessoas como dona Maria Amélia, que permaneceu intacta em um mundo repleto de carros, cidades, luzes incessantes. Nos estávamos construindo o texto.
Fato é que de entrevistador passei a ser entrevistado. Pensei comigo: Dona Maria Amélia parecia estar com tudo pronto desde o início das perguntas, se preparando para intervir. Eu deveria saber que aquilo tudo não seria de graça, haveria um preço. Eu também deveria me expor.
Como quando tive dificuldades em marcar a entrevista, via agora o meu mundo consolidado de repórter novato desabar, cair por terra. Era tão diferente antigamente, eu fazia as perguntas, a pessoa respondia, eu ia embora, fazia o texto, entregava pra quem quer que fosse, e pronto, estava resolvido. Não havia nunca aquela necessidade de ficar por ali, conversando com a pessoa. Os laços não eram tão estreitos entre eu e o entrevistado quando aprendi o que é jornalismo. As coisas eram simplesmente feitas, só para cumprir agenda. Agora não, o que via era um mundo totalmente diferente, permeado de palavras e sentimentos, algo que não caberia nos livros de teorias da comunicação nem nas enciclopédias. O resto da entrevista? Ah, não preciso colocar, Maria Amélia já completou o trabalho.
Demorei uma semana para procurá-la novamente, talvez por receio de incomodá-la, ela que tem seus afazeres diários e cuida da mãe, Benedita Lobo Dias, de 88 anos, de saúde já debilitada pela idade. Era 24 de maio, domingo, quando bati à porta da casa que se encontra na Rua Doutor Faustino para ver se conseguia alguma coisa. Maria Amélia atende a porta, tranquila como sempre, a feição forte, de cor morena, os olhos fundos, de pálpebras protuberantes, cansada talvez.
Ela se aproxima sem falar nada, como de costume, sem dizer nem mesmo oi. Sempre espera uma reação, sem nunca iniciar uma conversa. “Tudo bem, Dona Maria Amélia?”, pergunto. “Tudo bem”, responde. Daí para a frente a conversa começa, com poucas palavra da parte dela, é certo, mas nada que atrapalhe o objetivo final. A conversa inicia-se mesmo é com a pergunta: “A que horas posso vir fazer a entrevista que a gente combinou?”, eu dizia, esperando uma resposta certa. Mas as palavras da aposentada nunca davam a certeza de que a entrevista aconteceria, ficava sempre uma incógnita e certa tensão no tempo da conversa. “Passa aí mais tarde, lá pelas seis horas, aproveita que vai ter outro amigo meu, ele pode ter mais informações pra ajudar na entrevista”, disse.
Um jornalista não poderia ouvir aquilo, uma resposta dessas não fazia parte das expectativas de um repórter que precisa atender às demanda de produção do local onde trabalha. Mas enfim, acertada a hora, fui embora, em dúvida, pensando na possibilidade de não conseguir o que queria.
Por conta de um imprevisto, não pude chegar no horário combinado. Eram já sete e meia da noite quando apareci por lá, já preocupado com a reação dela. Maria Amélia responde ao toque da campainha pela janela lateral, e fica parada pelos segundos mais tensos que já vivi como repórter, olhando somente, sem dizer uma palavra, um oi sequer, observando, unicamente. “Vim pedir desculpas, Dona Maria Amélia”. “Veio pedir desculpas?”, ela pergunta, sem expressar nada mais e se dirigindo à porta principal da casa. A explicação que dei sobre o atraso convenceu-a, aparentemente. “Fazemos a entrevista agora ou marcamos para depois?”, perguntei já tenso, como sempre. “Uai, você quem sabe”, ela responde. “Como é que a gente faz, eu passo aqui amanhã de manhã, ou...?”, insisto, ao que sou rebatido: “uai, é você quam tá precisando, você quem sabe”. Não sei bem ao certo dizer se aquela frase foi de repreensão pelo atraso ou se ela havia entendido que eu esperava que ela fosse à minha casa para ser entrevistada. Só sei que fiquei pensativo.
A entrevistada disse aquilo com a mesma tranquilidade de sempre, sem mostrar feição de braveza ou irritação. Era aí que uma parte da sua personalidade começava a se mostrar. Maria Amélia Lôbo apresentava os mesmos traços, a mesma feição quando sorria, quando ficava ansiosa, quando perguntava curiosa pelo motivo da entrevista. Ela tinha um olhar neutro, nem brava, nem calma, nem alegre nem triste, os aspectos da sua fala, o olhar, a maneira como gesticulava não apresentavam nenhuma característica particular. No meu caso, ela dificultava ainda mais o trabalho de reportagem que estava para ser feito. Seria preciso adivinhar como é Maria Amélia, pensei, um tanto quanto preocupado com aquilo. Como pode alguém expressar da mesma maneira quando está triste ou quando está alegre?, pensava, já cativado por seu jeito particular.
"Passo amanhã, lá pelas oito horas, está bom para a senhora?”, indago, já um tanto quanto desesperançoso. “É melhor lá pelas nove horas, né? Mas pode ser que eu esteja fazendo alguma coisa, tenha saído para o supermercado. Normalmente se eu saio vou ao supermercado”, ela fala, deixando mais uma incógnita: Será que ela vai estar lá amanhã às nove horas?. A noite passaria e aquela pergunta ficaria guardada até o outro dia, 25 de maio, segunda-feira.
Ela se despede e entra de volta para casa, ao passo que eu tomo o caminho de volta pela Rua Doutor Faustino. Aquela rua tinha uma certa particularidade, algo que me atraía como repórter e como morador, talvez por isso tenha escolhido uma pessoa daquela localidade para a entrevista. Minha lembranças da vida de criança passam por lá, todas as minhas boas memórias de infância estão guardadas naquele local considerado por mim sagrado. Foi lá que quebrei o braço andando de bicicleta, lá que jogava bola, lá que atentava os vizinhos, jogava coisas na casa dos outros, entre outros. Sou apaixonado por aquela rua, a rua Doutor Faustino, Bairro Jundiaí, CEP 75113-000. Mas no fundo a rua pouco tinha a ver com a escolha da entrevistada. Na verdade ela foi um pano de fundo, uma desculpa para chegar à casa daquela mulher que sempre me intrigou. Sempre que passava por lá, olhava aquela senhora, esperando uma oportunidade de um dia poder entrevistá-la, entrar em sua casa, conhecer um pouco mais desta senhora com hábitos tão tradicionais.
Ela é o tipo da pessoa que se debruça na janela de casa para ver os carros e as pessoas passarem. Acho que no fundo foi isso que me atraiu. Não era possivel que esse tipo de gente existisse ainda, era fora da realidade, algo inimaginável para o tipo de vida urbana com a qual estamos acostumados. Mas ela estava ali, sempre do mesmo jeito, pacata, sem extravagança, sem traço algum daquilo que conhecemos hoje por vida urbana. Ela carregava mais do que o jeito de uma pessoa que havia passado grande parte da sua vida no meio rural, era mais do que isso: Maria Amélia havia guardado os bons costumes, a política da boa vizinhaça, o hábito de olhar nos olhos quando fala, de dizer bom dia toda vez que vê um conhecido, parar para conversar, observar o tempo, chamar para comer um pão de queijo. Essas são algumas das características mantidas ainda hoje pela entrevistada, que insisto em chamar por esse nome por falta de vocabulário que me venha à mente no momento. Ela era mais do que uma entrevistada para mim, considerei-a uma amiga. Sempre que conversava ela apresentava em sua fala traços do que seria confirmado no dia da entrevista: que é uma pessoa amável.
Tudo o que foi dito até agora sobre Dona Maria Amélia esteve presente exclusivamente no âmbito da observação. Ela deve ser desse jeito mesmo, não é só impressão, eu pensava, sem nunca ter colocado os pés dentro da sua casa. Dormi mais cedo que de costume no domingo, 24, com o objetivo de acordar mais na segunda para a entrevista. Coloquei o despertador para 7h50. O que foi em vão, acabei me levantando somente às 8h20, às pressas para tomar banho e me arrumar para o encontro. Consegui me ajeitar a tempo, chegando dez minutos atrasado, somente. Saí de casa, caminhei meus cem metros e bati à porta de Maria Amélia.
Ela atendeu, desta vez a porta da frente, mas depois de dois ou três minutos, mais ou menos, tempo de sobra para que a tensão surgisse. Veio então, ao portão, com a mesma feição neutra e enraivecedora, até. Cumprimentâ-mo-nos, como de costume. Mas desta vez, ela não esperou reação alguma. Foi direta, sem nem mesmo esperar pela pergunta. “To dando café para a minha mãe. É que ela acorda às vezes mais tarde, então é bom deixar ela tomar café mais tranquila, né?”. “Não tem problema não”, digo, concordando com ela quanto a dar preferência para Dona Benedita, mas pensando ao fundo que aquilo poderia ser o fim das tentativas de entrevistar aquela senhora.
O sentimento agora era de desistência, de guerra perdida, não conseguiria mais cumprir o meu papel de repórter, tão facilmente cumprido nos trabalhos realizados no curso de jornalismo da Universidade Federal de Goiás mas que agora parecia um obstáculo intransponível. Era tudo tão fácil, tão bom de se fazer, lead, sublead, retranca, a fórmula estava pronta, era só colocar no papel. A sensibilidade nestes casos era deixado de lado. Mas com Maria Amélia era impossível recorrer aos modelos prontos dos livros. Ela era uma nova teoria a se descobrir, um novo modelo comunicacional. Até o momento desconhecia essa nova forma de se ouvir a fonte e de se escrever com critérios que não o da produção pura e simples. Eu aprendia a mergulhar no que fazia. Talvez foi isso que aprendi recentemente sobre uma nova vertente do jornalismo, o jornalismo literário. Para realizar esse tipo de escrita, é preciso passar por um momento de imersão, é preciso fazer parte da história. Enfim, prefiro não entrar nos detalhes, se não estaria criando uma nova fórmula. Não é esse o objetivo aqui.
O jeito aparentemente indiferente de Maria Amélia continuava, parecia que não se preocupava com aquele que estava do outro lado do portão, esperando ansiosamente. “Como a senhora prefere que a gente faz, eu volto daqui a pouco para a entrevista?”, questiono, insistindo mais uma vez. “Tá ficando difícil, né?”, ela responde, mais uma vez, sem dar mais pistas, mostrando uma espécie de compaixão pelo repórter. “Eu volto daqui a pouco”, digo, então, agora sem saber se era aquilo que Maria esperava de mim. Ela concorda.
Cada volta para casa era um suplício. Já não importava o que ia fazer no tempo da espera, se ia tomar café, comer uma torrada, um pão ou beber um copo de suco. O que estava em jogo naquele momento era o interminável e agonizante momento de esperança e descrença do repórter. O controle da situação, pela primeira vez, não estava nas minhas mãos. Meu destino de estudante estava nas mãos de Amélia. Exagero, é claro. O fato é que aquilo não se decidia, a situação se prolongava, sabe-se lá até quando. Da hora em que saí da casa dela, às 9h20, uma hora aproximadamente havia se passado, deu tempo de comer alguma coisa e preparar mais umas perguntas para a entrevistada. Já deu tempo de dar café para a mãe dela, penso e logo parto para a sua casa. Chego e me aproximo do portão de Dona Maria Amélia.
A entrada principal da casa, que possuía uma varanda e um quintal ao fundo com pé de cana-de-açucar, flores diversas, possuía duas portas. Uma delas, transparente, deixava aparecer o que se passava lá dentro quando a outra, de madeira, estava aberta. Maria estava sentada no sofá da sala, eu observava. A luz, acesa, parecia indicar que ela estava a espera de alguém. Suas mãos mexiam em algo, não deu para observar o que era. Parecia que a aposentada estava esperando mesmo para a entrevista e que a demora em atender ao repórter foi proposital, talvez por nunca ter dado entrevistas e não estar acostumada ou por medo. Pode ser que ela pensava que aquilo tudo era invasão de privacidade. Não sei ao certo. Fato é que subitamente a desistência se transformou em esperança.
Ela veio. Abriu a porta transparente. Dirigiu-se ao portão passando pelo alpendre. Sorrindo me cumprimentou novamente. Abriu o portão. Fiquei parado, sem ação. “Entra”, ela disse. Entrei, aliviado.
Passo pela porta que dá direto na sala. Um cômodo simples, típico, com televisão, estante, tapete, fotos da família, alguns artefatos que decoravam. Um relógio de parede. O seu barulho constante, tic-tac, continuaria por toda a entrevista. Ele tocaria uma vez em uma hora da qual não me lembro, só sei que falávamos do pai dela, falecido antes do seu nascimento. “minha mãe contava que ele era muito bom, que ele era construtor”, diria. A mãe, sentada no sofá, cochilando, não fazia movimento algum, ficava no sofá com a cabeça em um travesseiro colocado por dona Amélia. É ela quem faz tudo pela mãe, dá comida, banho, veste roupa, tudo, praticamente tudo. “muito assim, ciumenta, não gostava que a gente saísse, tinha que saber das amigas, né?”. “hoje em dia não se prende os filhos tanto assim como era antigamente”, fala de Dona Benedita.
O cachorro, cujo nome não sei, havia me recebido aos latidos no portão. Ele se aquietou dentro da sala. Foi só Dona Maria Amélia fazer menção de fazer cantar o chinelo, ele parou de latir. Medo talvez.
Essa foi a cena de entrada. Nós nos sentamos logo em que entramos. O cachorro se calou depois. Foi aí que começamos a entrevista. Liguei o gravador e comecei a fazer algumas perguntas sobre alguns dados como data de nascimento, cidade onde nasceu, quando se mudou para a rua, entre outros. Parei o que estava fazendo para escrever esses dados ao invés de gravar. Parecia mais fácil. Foi aí que Dona Amélia me interpelou com um ar que pareceu desconfiança: “Por quê é que você tá me pedindo essas coisas?”, disse, mantendo a feição neutra. “É que o que estou fazendo aqui é um perfil da senhora, com base no que a senhora viveu e nas experiências que teve aqui na rua. Quero saber, na visão da senhora, como a rua mudou e como a senhora enxerga as mudanças que ocorreram. Talvez na primeira vez que a gente conversou não ficou bem claro”, digo, já temeroso de que ela não mais aceitasse ser entrevistada. “Ah”, ela respondeu. “A gente pode continuar, não tem problema para a senhora não?”, questiono. “Não, pode continuar, tem problema não”, ela responde novamente.
A entrevista então começa. Ligo, agora sim, o gravador, que parece não incomodar dona Maria Amélia. “Posso usar o gravador?”, pergunto. “Uai, você quem sabe”, diz. “É que tem gente que não gosta”, prolongo o assunto, desnecessariamente.
Até esse momento eu me dava por satisfeito. Dona Maria Amélia já estava decomposta, revelada nos poucos momentos em que nos encontramos. Os encontros ocasionais, as frases soltas, os sinais, a falta de clareza já haviam me mostrado boa parte do que a senhora de 70 anos apresentava. O trabalho de repórter já poderia se dar por satisfeito, pois o objetivo era traçar um perfil de um personagem qualquer. Já havia tudo de que precisava.
Mas não era eu quem ditava as regras daquele jogo de espera, e sim minha entrevistada. Falo aqui “minha” como que me sentindo íntimo dela. Quem estabelecia e conduzia era Maria Amélia, com seu jeito simples. “Feliz eu sou, né, graças a deus não tenho nada do que reclamar não, né?”, ela disse, com um ar de sinceridade e ternura inigualáveis. E esse jeito me cativava, como repórter e como pessoa. Sentia-me uma pessoa melhor, um ser humano menos apressado, alguém que não é tomado pelas situações do dia a dia. Aquela entrevista estava me mudando um pouco. Não que uma pessoa totalmente nova se formava, não, mas algo da ordem da realização pessoal ocorria. Eu sonhei por aquele momento o tempo todo e de repente estava lá, em sua casa, sentado em seu sofá, ouvindo os seus relatos e com ela vendo o tempo passar.
Era a primeira vez que ela concedia entrevista, da qual eu lhe prometeria uma cópia. “Pra mim guardar”, disse. Em um determinado momento, conversávamos sobre a vida pessoal de dona Maria Amélia. Sem filhos, não foi casada. “nem namorado nunca tive”. “Até que pensando bem foi bom, né? (risadas), hoje eu cuido da minha mãe, hoje os filhos tá tudo abandonando os pais, né? E ficar sozinha é a mesma coisa, né?”. “fiquei sozinha, mesmo, graças a deus, desimpedida de tudo”, afirma.
Algumas perguntas depois, encerro a entrevista e me preparo para ir embora, mas Dona Maria Amélia não parecia querer parar. “Esse aí vai cair no quê?, numa prova?”, ela pergunta. “Vai ser uma prova, eu tenho que fazer o texto e mostrar pra professora”, digo.
"É aqui mesmo que você tá?”, continua. “Não, em Goiânia, eu estudo na federal, Federal de Goiás, eu faço jornalismo, mas isso aqui não vai ser publicado não, é só a professora que vai ter acesso a ele e vai ser só pra matéria, só pra gente cumprir uma...”, respondo. “pra ver como que você está assim no serviço?”. “É, pra ver se eu eu to sendo um bom repórter”, respondo. Nesse momento começamos a rir, não sei porque, talvez pelo sentimento de intimidade, resultado da boa relação de vizinhança que sempre tivemos.
"E você, tá ainda com a menina?”, ela pergunta, continuando o ciclo de perguntas. “To não. A senhora conheceu ela?”. “Não, você que falou que ela não era daqui, né, parece que é de Goiânia”, rebate. “Eu namorei uma menina de Goiânia e a gente ficou três anos e seis meses namorando e terminamos”, digo. “E agora tá...”, ela fala, esperando que eu completasse. “Não, agora eu to igual a senhora, querendo viver mais livre também” (risadas). “Tá esperando encontrar uma agora?”, ela finaliza. Respondo já desconversando, desviando do assunto. Disse que era melhor esperar terminar a faculdade, resolver minha vida primeiro, arrumar trabalho e depois procurar uma namorada. Conversa de solteiro.
Ela tomou as rédeas da conversa, sem que eu percebesse. A partir de um dado momento os papéis foram invertidos. Ela perguntava e eu respondia. Me senti até bem com aquilo. Na verdade, comecei a perceber que era possível fazer jornalismo sem ser só factual e que as informações não eram reportadas simplesmente pelas mãos do repórter, mas construídas por pessoas como dona Maria Amélia, que permaneceu intacta em um mundo repleto de carros, cidades, luzes incessantes. Nos estávamos construindo o texto.
Fato é que de entrevistador passei a ser entrevistado. Pensei comigo: Dona Maria Amélia parecia estar com tudo pronto desde o início das perguntas, se preparando para intervir. Eu deveria saber que aquilo tudo não seria de graça, haveria um preço. Eu também deveria me expor.
Como quando tive dificuldades em marcar a entrevista, via agora o meu mundo consolidado de repórter novato desabar, cair por terra. Era tão diferente antigamente, eu fazia as perguntas, a pessoa respondia, eu ia embora, fazia o texto, entregava pra quem quer que fosse, e pronto, estava resolvido. Não havia nunca aquela necessidade de ficar por ali, conversando com a pessoa. Os laços não eram tão estreitos entre eu e o entrevistado quando aprendi o que é jornalismo. As coisas eram simplesmente feitas, só para cumprir agenda. Agora não, o que via era um mundo totalmente diferente, permeado de palavras e sentimentos, algo que não caberia nos livros de teorias da comunicação nem nas enciclopédias. O resto da entrevista? Ah, não preciso colocar, Maria Amélia já completou o trabalho.
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